Avançar para o conteúdo principal

Não queremos uma UE construída à revelia dos seus cidadãos

Numa altura em que se regista um contentamento generalizado em volta da assinatura do Tratado de Lisboa, seria profícuo que se encetasse uma discussão mais alargada sobre a Europa. Depois da visibilidade dada ao Tratado Reformador, espera-se que esta oportunidade não seja desperdiçada – esta é altura para se discutir a UE, numa tentativa de aproximar os cidadãos das instituições europeias.
Sublinhe-se o acentuado alheamento dos cidadãos relativamente às instituições europeias. O desinteresse é geral. Ora, a responsabilidade deste notório afastamento é da própria União Europeia e dos governos de alguns Estados-membros que não promovem essa discussão. De um modo geral, a tecnocracia parece ser a matriz de uma Europa que se tem construído à revelia dos seus cidadãos. Acresce-se a isto a complexidade de funcionamento das instituições europeias aliada à utilização reiterada de uma linguagem inacessível e o assunto Europa é enfadonho e desinteressante para a generalidade dos cidadãos europeus.
Por outro lado, os problemas que recrudescem no seio da UE, designadamente o desemprego, o emprego precário, o alargamento da própria UE, a emigração, as questões relativas à segurança e justiça, não têm uma resposta à altura. Nem tão-pouco se apresenta uma resposta exequível ao quase inevitável fim do modelo social europeu. Note-se, todavia, que o acordo em torno deste novo Tratado de Lisboa foi uma conquista importante para a Europa agilizar o seu funcionamento.
Lamenta-se, apesar de tudo, algum secretismo das negociações ao longo destes seis meses difíceis para a UE – e mais uma vez verifica-se que a utilização de uma linguagem inacessível vai dificultar a compreensão do documento e restringir o seu acesso –, e da mesma forma, não se justifica a ambiguidade de definições sobre o Tratado aproveitada pela classe política de alguns Estados-membros. Afinal, este será um tratado com poucas semelhanças com a malograda Constituição, ou, por outro lado, será um tratado que ressuscita a defunta Constituição – consoante os interesses políticos.
Os políticos europeus não podem insistir na utilização de subterfúgios desta natureza, nem podem continuar a pensar que a construção europeia é viável mesmo sem a participação activa dos seus cidadãos. Reitere-se, pois, a ideia de que agora é o momento para se discutir a Europa e para trazer os cidadãos para essa discussão. Em Portugal a discussão sobre a UE é quase nula. Fica apenas a ideia genérica e profusa de que a Europa é aquele conceito abstracto que nos envia uma torrente de dinheiro em troca de algumas concessões. A comunicação social que por vezes substitui a intervenção política, quer se goste quer não, fez um bom trabalho na cobertura da Cimeira de Lisboa e da assinatura do mesmo, espera-se, assim, que não deixa cair a oportunidade de se discutir e de informar os cidadãos sobre a Europa – com ou sem referendo para ratificar este Tratado de Lisboa.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Mais uma indecência a somar-se a tantas outras

 O New York Times revelou (parte) o que Donald Trump havia escondido: o seu registo fiscal. E as revelações apenas surpreendem pelas quantias irrisórias de impostos que Trump pagou e os anos, longos anos, em que não pagou um dólar que fosse. Recorde-se que todos os presidentes americanos haviam revelado as suas declarações, apenas Trump tudo fizera para as manter sem segredo. Agora percebe-se porquê. Em 2016, ano da sua eleição, o ainda Presidente americano pagou 750 dólares em impostos, depois de declarar um manancial de prejuízos, estratégia adoptada nos tais dez anos, em quinze, em que nem sequer pagou impostos.  Ora, o homem que sempre se vangloriou do seu sucesso como empresário das duas, uma: ou não teve qualquer espécie de sucesso, apesar do estilo de vida luxuoso; ou simplesmente esta foi mais uma mentira indecente, ou um conjunto de mentiras indecentes. Seja como for, cai mais uma mancha na presidência de Donald Trump que, mesmo somando indecências atrás de indecências, vai fa

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação e Trump é o ma