Avançar para o conteúdo principal

Qualidade da democracia

A acção do actual Governo nem sempre se pautou por uma verdadeira consolidação da democracia portuguesa, vários episódios de algum desconforto do Executivo relativamente a episódios de contestação às políticas do Governo marcaram a actualidade política. Todavia, não existem indicações sólidas de que a democracia tenha sido posta em causa. Por outro lado, pode-se afirmar com elevado grau de certeza que a democracia portuguesa tem vindo a perder qualidade e que a classe política tem acrescidas responsabilidades nessa matéria.
Infelizmente, a ideia generalizada de que democracia resume-se ao acto eleitoral, à escolha de partidos políticos ou de candidatos é diminuta e confina a democracia a um espaço de compreensão exíguo. Um sistema democrático é muito mais do que isso e tem a sua expressão mais forte na construção de um Estado de Direito, na separação de poderes, no respeito pelas liberdades, na garantia de liberdade de imprensa e na diversidade de órgãos de comunicação social, e naturalmente, um sistema democrático consolidado consubstancia-se numa forte sociedade civil.
Ora, em Portugal é a qualidade da nossa democracia que não é discutida, embora seja permanentemente posta em causa. Não há uma ameaça directa e imediata que recai sobre o nosso sistema democrático, o que há é um decréscimo da qualidade que se traduz num sistema político-partidário pobre e numa sociedade civil fraca e quase inexistente.
A qualidade dos partidos políticos esta intimamente associada à força ou fraqueza de qualquer sistema democrático – a sua pluralidade e grandeza fortalecem as democracias. Nos últimos anos tem-se assistido a um retrocesso na elevação exigida à classe política, e mais: tem-se agravado o pior que existe nos partidos políticos – a mentalidade serôdia, o seguidismo, a defesa de interesses pessoais, e a procura do poder pelo poder, a política como instrumento para se chegar o poder e nada mais do que isso caracterizam a classe política. De resto, verifica-se que poucos ainda estarão na política pelo amor ao serviço público.
Por outro lado, a ausência de uma verdadeira sociedade civil fragiliza a democracia. Em Portugal parece só existir o Estado e tudo orbita em torno do Estado. Ora, acaba por ser o Estado que se substitui a uma sociedade civil praticamente inexistente. Deste modo, o espírito crítico, a procura de servir o país sem receber muito em troca, o inconformismo são substituídos pela inércia e pela letargia. Um problema que é perpetuado pela educação que não valoriza os valores democráticos, nem tão-pouco promove quaisquer valores. Hoje dificilmente uma criança ou jovem saberá de que forma funciona a democracia e o sistema político.
De facto, a consolidação da democracia – processo que não conhece um fim – é ignorado ou subestimado pela classe política e pelos cidadãos. A ideia de que as democracias são processos irreversíveis é o primeiro passo para que a mesma seja arredada dos elementos que contribuem para o seu fortalecimento. Somos pouco exigentes nesta e em outras questões, uma consequência da fraca qualificação dos recursos humanos, mas também o resultado de uma pobreza cultural exasperante.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Saídas para os impasses

As últimas semanas têm sido pródigas na divulgação de escândalos envolvendo o primeiro-ministro e as suas obrigações com a Segurança Social e com o Fisco. Percebe-se que os princípios éticos associados ao desempenho de funções políticas são absolutamente ignorados por quem está à frente dos destinos do país - não esquecer que o primeiro-ministro já havia sido deputado antes de se esquecer de pagar as contribuições à Segurança Social. A demissão está fora de questão até porque o afastamento do cargo implica, por parte do próprio, um conjunto de princípios que pessoas como Passos Coelho simplesmente não possuem. A oposição, a poucos meses de eleições, parece preferir que o primeiro-ministro coza em lume brando. E com tanta trapalhada insistimos em não discutir possíveis caminhos e saídas para os impasses com que o país se depara. Governo e oposição (sobretudo o Partido Socialista) agem como se não tivessem de possuir um único pensamento político. Assim, continuamos sem saber o que...

Fim do sigilo bancário

Tudo indica que o sigilo bancário vai ter um fim. O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda chegaram a um entendimento sobre a matéria em causa - o Bloco de Esquerda faz a proposta e o PS dá a sua aprovação para o levantamento do sigilo bancário. A iniciativa é louvável e coaduna-se com aquilo que o Bloco de Esquerda tem vindo a propor com o objectivo de se agilizar os mecanismos para um combate eficaz ao crime económico e ao crime de evasão fiscal. Este entendimento entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista também serve na perfeição os intentos do partido do Governo. Assim, o PS mostra a sua determinação no combate à corrupção e ao crime económico e, por outro lado, aproxima-se novamente do Bloco de Esquerda. Com efeito, a medida, apesar de ser tardia, é amplamente aplaudida e é vista como um passo certo no combate à corrupção, em particular quando a actualidade é fortemente marcada por suspeições e por casos de corrupção. De igual forma, as perspectivas do PS conseguir uma ma...

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação ...