A recente entrevista da ex-provedora da Casa Pia ao semanário Sol, composta por duas partes, vem ensombrar uma justiça sem credibilidade e minada por desconfianças generalizadas que não trata todos os cidadãos de igual forma. O julgamento de pedofilia na Casa Pia ainda não conheceu um fim, mas se o desfecho for aquele que muito apregoam – um desfecho caracterizado pela impunidade –, então estaremos perante um golpe que poderá ser fatal para a credibilidade da justiça portuguesa.
Realça-se amiúde a inoperância e a morosidade de uma justiça que parece que foi criada para tudo, menos para defender os interesses dos cidadãos e para consolidar o Estado de direito; muito pelo contrário, a justiça é labiríntica e por vezes parece operar num contexto de obscuridade. Além disso, é a inoperância e morosidade que estão no cerne do problema. Mas, de igual forma, refira-se que a credibilidade da justiça tem sofrido golpes consecutivos – começando por casos de corrupção a culminando com os crimes abjectos cometidos contra crianças e jovens da Casa Pia que estão agora a ser julgados.
De facto, a entrevista de Catalina Pestana, ex-provedora da Casa Pia, e a não convergência das declarações da actual responsável pela Casa Pia, Joaquina Madeira, deixam mais um rasto de suspeições que mancham a própria imagem da instituição em causa e, claro está, da justiça. A entrevista de Catalina Pestana que aponta para a existência de novos abusos sexuais na Casa Pia já está a ser investigada por um procurador do Ministério Público. Contudo, a suspeição está lançada, e mais do isso, o poder político está convenientemente em silêncio, exceptuando o Presidente da República.
Note-se que entre declarações divergentes de responsáveis pela Casa Pia, entre alterações no Código do Processo Penal suspeitas e entre um poder político que faz muito pouco para alterar este triste estado de coisas, para não ir mais longe, ficam as vítimas desprotegidas e abandonadas por um sistema de justiça que parece ter sido pensado para proteger as pessoas mais influentes da sociedade, ou da política ou seja do que for. O cidadão comum não acredita nesta justiça e o poder político mostra-se incapaz, ou não terá interesse em inverter essa situação. Ora, a falta de credibilidade da justiça abala inexoravelmente o Estado de direito.
Importa, pois, esclarecer as dúvidas que voltam a pairar sobre a Casa Pia sob pena de se estar condenar indelevelmente a justiça, no plano da idoneidade e da credibilidade. Quando se passa a imagem de um país que não protege as suas crianças para proteger aqueles que têm mais poder, influência ou dinheiro, está-se a dar um golpe que poderá ser fatal no próprio Estado de direito. Por consequência é fundamental que não se poupem esforços no sentido de apurar a verdade do que tem sido avançado nas últimas semanas. A celeridade e a transparência dessas investigações são essenciais para a credibilidade da justiça portuguesa.
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