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O bom aluno


Não será preciso recorrer a grandes exercícios de criatividade para se perceber que o estado do país até dava um filme. Será esta uma hipótese assim tão remota? Evidentemente que não. Senão vejamos: o enredo não será difícil de ser concebido – um aluno bem comportado aos olhos dos seus pares europeus, com um futuro auspicioso, mas que deita tudo a perder porque foi incapaz de levar a cabo as mudanças necessárias. O local de filmagens poderá ser algures no vasto deserto da Margem Sul, aqui certamente não serão colocados grandes obstáculos tendo em conta a imensidão da região e ausência de população. Com um enredo cheio de momentos dramáticos, repleto de acção, e com momentos de “suspense” únicos, não faltarão actores a acotovelarem-se para entrar neste filme.

Esta é a história de um aluno bem comportado que ganhou esse título após a sua entrada na União Europeia. Durante muitos anos o bom aluno recebeu oportunidades únicas para se modernizar e para se aperfeiçoar. Ora, essas oportunidades foram desperdiçadas: foi displicente ao ponto de não investir num melhoramento do seu todo, foi inepto porque nunca apostou seriamente na educação, e como qualquer adolescente menos consciencioso, quando se apanhou com dinheiro não fez mais do que gastá-lo imprudentemente, prejudicando assim o seu futuro. Na verdade, quando todos lhe diziam que era mais acertado investir na formação, na educação e na cultura, ele ignorou tais conselhos.

O referido aluno, como qualquer estudante que não estudou, sente-se invariavelmente arrependido por não tê-lo feito. Dizem-lhe agora que não é competitivo e são poucos os que apostam seriamente nele. De resto, a confiança inicial nas suas capacidades foi-se desvanecendo, e tanto mais é assim que se verifica que este outrora promissor aluno tem ganho o epíteto de pior aluno.
Não obstante os maus desempenhos, o dito aluno está a tentar a todo o custo voltar a cair nas graças de quem tanta confiança depositou nele. E para tal encetou um conjunto de mudanças com vista a inverter a situação. Assim, o outrora bom aluno diz que vai apostar de forma séria e responsável na educação, quer ser mais competitivo e aparenta ser menos gastador – sendo também verdade que já não há muito para gastar. O aluno parece ter percebido que precisa de mudar os seus hábitos, sob pena de sucumbir ao insucesso.

Enfim, sabendo que o sucesso comercial de um filme passa inevitavelmente por algumas cenas de acção e de “suspense”, propomos o seguinte: a ameaça de dinamitação de pontes; intrigas em torno da construção de um aeroporto; funcionários com um gosto sinistro pela delação e uma boa dose de corrupção. Desta forma, estão reunidos os ingredientes necessários para um grande sucesso de bilheteira. Isto até teria piada, não fosse esta a realidade do nosso país. Podemos, porém, regozijarmo-nos com o facto de esta não ser mais uma história corriqueira.

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