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O medo e a delação

O polémico processo Charrua foi arquivado pela ministra da Educação. O Governo tenta atrapalhadamente pôr um ponto final no assunto. Ficou, no entanto, o mal-estar que este e outros casos geraram na opinião pública. O professor visado continua a não exercer as funções que exercia na DREN, a ministra da Educação devia ter ido mais longe e deveria ter afastado a directora e punido o delator. No mesmo dia que se soube do arquivamento do processo Charrua, Manuel Alegre, deputado do PS, escreve um artigo no jornal PÚBLICO sobre o medo que se instalou em Portugal.
Manuel Alegre tem razões para utilizar a palavra “medo”, aliás não é por acaso que o faz – os episódios de tentativas de condicionamento mais ou menos evidente de algumas liberdades sucedem-se uns atrás dos outros. Dir-se-á que há algum exagero de retórica quando se utiliza a palavra “medo” e que o Governo não é directamente responsável por esses episódios. Contudo, o caso Charrua, o novo Estatuto do Jornalista, o afastamento da directora do centro de saúde de Vieira do Minho, listas de grevistas, a resposta irada do ministro da agricultura a um pescador, só para citar alguns, não dignificam o Estado democrático.
O medo e a delação são fomentados pelo silêncio de quem tem responsabilidades governativas. E mais: o contexto de dificuldades que marca a vida de muitos portugueses acentua esse medo – o medo de perder o emprego, o medo de não conseguir pagar as contas, o medo de não ser promovido e o medo de manifestar opinião contrária são sentimentos que devem ser levados em conta. Por outro lado, a incerteza e o medo desencadeiam comportamentos reprováveis em algumas pessoas que acham que obedecendo de forma canina ao chefe estão a assegurar o seu lugar ou até estão no caminho de uma qualquer promoção, nem que para tal tenham de delatar o colega.
De facto, quando se discute o clima de medo alimentado por silêncios coniventes de quem tem responsabilidades, convém relembrar o contexto em que tudo isto acontece. Infelizmente, as liberdades não fazem parte da vida de todos, de igual modo. O Governo não será, amiúde, responsável por todos os condicionamentos das liberdades, mas não faz nada para fomentar um clima de exultação das mesmas. Nem tão-pouco se empenha no sentido de afastar quem ainda pune por delito de opinião.
O Governo, este ou outro qualquer, não tem apenas responsabilidades governativas, aplicando as suas políticas, tem também o dever de garantir que Portugal não seja um país encolhido e coarctado. É certo que o estilo adoptado pelo primeiro-ministro não é o mais aprazível, mas ainda assim, espera-se que o caso Charrua tenha definitivamente sido o último.

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