Avançar para o conteúdo principal

Portugal silencioso

O país anda descontente, mas paradoxalmente mantém-se relativamente silencioso. Não obstante o que se escreve nos blogues e o que se diz e escreve em alguma comunicação social, o país, numa perspectiva genérica, insiste em resignar-se. Efectivamente, é possível enfatizar um vasto conjunto de razões que sustentaria a tese do inconformismo, do descontentamento e, consequentemente, da contestação: a arrogância aceite num quadro de suposta normalidade institucional, a intolerância relativamente a quem discorda das políticas do Governo – a ministra da Educação deu um péssimo exemplo de uma arrogância inaceitável –, todo o imbróglio da Ota com desertos, dinamitação de pontes e doenças fatais à mistura, são paradigmáticos de uma governação pouco tolerante e um péssimo sinal de um país que se cala perante o autoritarismo.
Existe, de facto, uma multiplicidade de possíveis razões que sustentam o silêncio dos portugueses – o receio, em particular, daqueles que têm alguma dependência com o Estado, em criticar ou em contrariar o Governo, é uma possível razão que pode, eventualmente, condicionar muitas das vozes que se mantém à distância destas incongruências do Governo. E, naturalmente, num país cujo o Estado é tentacular, tendo sob a sua alçada uma franja muito significativa de portugueses – que trabalham para o Estado ou que prestam serviços ao Estado, ou ainda que dependem do Estado para ver os seus negócios serem aprovados – o silêncio acaba por se tornar no silêncio da maioria.
A questão da Ota e do estudo encomendado pela CIP reveste-se de contornos pouco claros, havendo mesmo quem afirme que muitos empresários preferiram o anonimato a darem a cara sob pena de sofrerem consequências nefastas para os seus futuros projectos. Deste ponto de vista, fica-se com a indelével sensação de se viver num país encolhido, cujo Estado em vez de actuar em conformidade com a pluralidade de opiniões, prefere cercear essas mesmas opiniões. Ora, um país que conserva tiques de autoritarismo não caminha seguramente para o tão falado desenvolvimento.
Por outro lado, existe a resignação daqueles que optam por não se manifestar num sentido ou noutro pela simples razão de que não têm interesse sobre estas matérias. Na verdade, o défice de cultura democrática aliada à má formação tem consequências óbvias e traduz-se no já referido silêncio que não é bom presságio para o futuro do país. Na verdade, as escolas representam uma incomensurável oportunidade para se formar cidadãos – uma oportunidade perdida. Talvez não haja interesse em que se aposte numa educação para a cidadania activa. No fim de contas, um povo silencioso é um povo fácil de governar. O quadro fica completo com uma comunicação social incipiente, designadamente no que diz respeito às televisões, e uma oposição anódina que parece arrastar-se neste intrincado mundo da política.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Saídas para os impasses

As últimas semanas têm sido pródigas na divulgação de escândalos envolvendo o primeiro-ministro e as suas obrigações com a Segurança Social e com o Fisco. Percebe-se que os princípios éticos associados ao desempenho de funções políticas são absolutamente ignorados por quem está à frente dos destinos do país - não esquecer que o primeiro-ministro já havia sido deputado antes de se esquecer de pagar as contribuições à Segurança Social. A demissão está fora de questão até porque o afastamento do cargo implica, por parte do próprio, um conjunto de princípios que pessoas como Passos Coelho simplesmente não possuem. A oposição, a poucos meses de eleições, parece preferir que o primeiro-ministro coza em lume brando. E com tanta trapalhada insistimos em não discutir possíveis caminhos e saídas para os impasses com que o país se depara. Governo e oposição (sobretudo o Partido Socialista) agem como se não tivessem de possuir um único pensamento político. Assim, continuamos sem saber o que...

Fim do sigilo bancário

Tudo indica que o sigilo bancário vai ter um fim. O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda chegaram a um entendimento sobre a matéria em causa - o Bloco de Esquerda faz a proposta e o PS dá a sua aprovação para o levantamento do sigilo bancário. A iniciativa é louvável e coaduna-se com aquilo que o Bloco de Esquerda tem vindo a propor com o objectivo de se agilizar os mecanismos para um combate eficaz ao crime económico e ao crime de evasão fiscal. Este entendimento entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista também serve na perfeição os intentos do partido do Governo. Assim, o PS mostra a sua determinação no combate à corrupção e ao crime económico e, por outro lado, aproxima-se novamente do Bloco de Esquerda. Com efeito, a medida, apesar de ser tardia, é amplamente aplaudida e é vista como um passo certo no combate à corrupção, em particular quando a actualidade é fortemente marcada por suspeições e por casos de corrupção. De igual forma, as perspectivas do PS conseguir uma ma...

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação ...