Pergunta-se com alguma insistência o porquê de tanta celeuma em torno da vinda de Robert Mugabe à Cimeira Europa-Africa, apenas semanas depois de Hugo Chávez ter sido bem recebido em Portugal. A pergunta é pertinente, na precisa medida em que se verificou a forma como Chávez foi recebido pelo primeiro-ministro português, e depois do ministro dos Negócios Estrangeiros português ter já vindo a público dizer que preferia que Mugabe não viesse à Cimeira. Convém, apesar de tudo, sublinhar algumas diferenças numa visita e noutra, procurando fugir à visão redutora de classificar os “ditadores”.
A visita de Chávez, não obstante o espectáculo mediático que a caracterizou e a forma um pouco bajuladora como foi recebido, teve a sua razão de ser. A Venezuela, concordemos ou não com o regime de Chávez, é um país que recebeu ao longo de décadas centenas de milhares de portugueses. Aliás, estima-se que entre portugueses e luso-descendentes sejam mais de 600 mil. Só por essa razão não se pode comparar a visita de Chávez e a presença de Mugabe na Cimeira Europa-África. Em traços gerais, o regime de Chávez não se pauta por princípios democráticos e estará longe de respeitar as mais elementares liberdades dos cidadãos; mas é precisamente por essa razão que o encontro entre o primeiro-ministro português e o presidente venezuelano fez todo o sentido.
Em primeiro lugar importa perceber para onde vai a Venezuela de Chávez, em segundo lugar é imperativo que, na medida dos possíveis, se possa salvaguardar o bem-estar de todos os cidadãos nacionais a residirem na Venezuela. Não há melhor forma de se conseguir isso do que precisamente conversar com Chávez. Esta é a diferença central entre a visita de Chávez e de Mugabe. Ora, não seria aceitável que o Governo português ignorasse por completo a realidade de tantos cidadãos portugueses que estão estabelecidos na Venezuela.
Dir-se-á, contudo, que a razão principal da visita do presidente da Venezuela estaria ligada a interesses energéticos que Portugal tem na região. Esse foi seguramente um assunto central na discussão dos dois líderes, agora não se pode é confundir um interesse estratégico com o interesse de tantos portugueses a residirem na Venezuela. E é exactamente devido aos interesses desses cidadãos que a visita de Chávez não pode ser comparável à de Mugabe.
Todavia não se procura com a aceitação da visita de Chávez a Portugal fazer a apologia da revolução de que Chávez se julga o arauto, muito pelo contrário – o regime de Chávez não é democrático e é por várias razões criticável. Já para não falar da figura propriamente dita.
No que diz respeito à visita de Mugabe, para além do mal-estar que já está a causar e ainda a Cimeira não começou, envia uma mensagem de complacência da União Europeia relativamente ao regime de Mugabe que não se coaduna com os princípios que devem reger a UE. Consequentemente, não são situações comparáveis. Em suma, a presença de Chávez não terá sido agradável, mas o interesse de vários milhares de portugueses na Venezuela justificou essa presença. Ou será que se o Governo português evitasse quaisquer contactos com o líder venezuelano, os interesses dos portugueses a residirem na Venezuela seriam salvaguardados?
Comentários