A vitória do PS nas últimas eleições legislativas traduziu um desejo genérico de mudança. Depois do abandono precoce de Guterres e de Durão Barroso e da inefável prestação de Santana Lopes, almejou-se uma transformação radical; os portugueses votaram com o objectivo claro de resolver os problemas mais prementes do país. E de facto, a governação de Sócrates começou bem: a apresentação de inúmeras iniciativas com o objectivo claro de encetar mudanças imprescindíveis para o país reuniu vários consensos, mais do que é habitual. Por consequência, o futuro, apesar das dificuldades inerentes a uma crise grave, era auspicioso.
Todavia, a governação de Sócrates pautou-se por medidas de natureza incipiente, a reforma da administração pública é paradigmática dessa insipiência. Refira-se, contudo, o bom desempenho do Governo na redução do défice – as imposições de Bruxelas são mesmo para cumprir, quer concordemos ou não com elas. Todavia, no cômputo geral a prestação do Governo apesar de não ser muito negativa, não tem sido propriamente brilhante. De qualquer modo, é a arrogância e o distanciamento crescente que têm caracterizado este Governo; e mais, quantas vezes surgem episódios que sugerem que a governação de Sócrates está a resvalar para o autoritarismo?
O exemplo mais gritante da existência de um clima de cerceamento de algumas liberdades é o caso do professor que foi suspenso de funções por ter proferido algumas palavras, em privado, sobre a licenciatura do primeiro-ministro. Poder-se-á alegar que a decisão foi tomada pela a directora da Direcção Regional de Educação do Norte e não por imposição do primeiro-ministro. Ainda assim, não se pode negar o facto do Governo reagir tardia e inocuamente à decisão da directora. Parece que a vontade em alterar a situação não seria muita – a complacência do Governo é um sinal de aprovação. E é a existência deste clima – criado pela forma autoritária e arrogante de se governar o país – que desencadeia estas perseguições, que permite o regresso ao delito de opinião e que aprova a delação. Com efeito, a estratégia é quase indefectível: ao Governo não se poderá imputar toda a responsabilidade porque terá sido a directora a tomar a decisão, assim, é o séquito de bajuladores que decide de forma a agradar ao “chefe”.
Na verdade, a criação de um “superpolícia”, ou seja todas as polícias sob a alçada de uma só pessoa que responde directamente ao primeiro-ministro; a existência de uma cartão único do cidadão, as pressões à comunicação social consequência das notícias de irregularidades na sua licenciatura; o novo estatuto do jornalista; a teimosia desvairada da Ota; a prepotência dos ministros deste Governo e agora esta tentativa de silenciar e punir quem ousa falar do primeiro-ministro são maus prenúncios para a consolidação da democracia pluralista. A actuação de qualquer Governo não se resume a uma qualquer gestão do país, não chega combater o défice e vir auto vangloriar-se de que cada vez que a economia dá sinais de retoma; é imperioso que o Governo tenha um papel determinante na defesa das liberdades dos cidadãos e que nunca, em circunstância alguma, seja conivente com o cerceamento das liberdades. Aliás, este Governo, qualquer governo, deve garantir a existência dessas liberdades, sem quaisquer constrangimentos. De resto, para se governar, ao contrário do que muitos pensam, não é preciso enveredar-se por um comportamento arrogante, autoritário, distante dos cidadãos. E quando se incentiva à delação está-se a aprovar a existência de um clima repressivo, contrário às liberdades individuais dos cidadãos.
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