Avançar para o conteúdo principal

Fascínio pelos ditadores

Por altura da visita oficial de José Sócrates à Venezuela, recordemos os contactos entre o primeiro-ministro e líderes que serão tudo menos democráticos. Agora é a vez de Chávez (trata-se do segundo encontro em alguns meses). A visita à Venezuela terá como principal objectivo o contacto com a vasta comunidade portuguesa no país, serão mais 600 mil os portugueses e luso-descendentes. Por conseguinte, a visita de Sócrates, apesar de tudo, encontra aqui a sua fundamentação.
É claro que a visita do primeiro-ministro à Venezuela tem subjacentes razões económicas e pretende estreitar laços entre empresas portuguesas e o regime venezuelano. Ora, é sobejamente conhecida a irascibilidade e a consequente regurgitação de alarvidades que caracterizam o Presidente venezuelano, e nestas circunstâncias não convirá muito exasperar o líder da Venezuela. Assim, o primeiro-ministro tenta a todo o custo montar uma operação de charme ao mesmo político que esta semana apelidou Angela Merkel de Hitler.
Mais grave, porém, foi a cimeira Europa-África, durante a presidência portuguesa da União Europeia. Nesta cimeira, o número de ditadores que pisaram o nosso território foi assombroso. O mais conhecido, além de Khadaffi, foi Robert Mugabe – o velho ditador do Zimbabué que arruinou a economia do país, que desrespeita os direitos humanos e que recusa abandonar o poder. Se por um lado é verdade que a manutenção deste ditador à frente do país só é possível graças ao silêncio e conivência dos países vizinhos; não é menos verdade que o silêncio da comunidade internacional, de que Portugal faz parte, é determinante para o arrastar da situação. De resto, Portugal, na qualidade de presidente da UE, prestou um péssimo serviço e deu um mau exemplo sentando-se à mesma mesa com ditadores facínoras, responsáveis pela inviabilidade do continente africano.
De igual modo, as relações do Governo português com o regime angolano são marcadas pela mais bacoca subserviência. Aqui falam mais alto os interesses directos que as empresas portuguesas têm na região – não restando muita vontade para se abordar temas como os direitos humanos, a boa governação, a pobreza, a corrupção, Cabinda, etc.
O mais recente episódio protagonizado por Bob Geldof é sintomático da política de subserviência de muitas empresas portuguesas secundadas pelo Governo. Tudo se vende, incluindo os princípios e a vergonha, desde que a família Eduardo dos Santos não seja incomodada.
De facto, esta política de cócoras face a ditadores, designadamente africanos, não é exclusiva de Portugal: é toda a Europa (exceptuando talvez, em alguns aspectos, a Alemanha) que se rendeu aos interesses económicos em detrimento dos valores, princípios, e essencialmente do desrespeito pelos direitos humanos. Não se admire pois que a voz da Europa não seja ouvida internacionalmente – é o que acontece a quem não tem carácter e se vende por meia dúzia de euros.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Mais uma indecência a somar-se a tantas outras

 O New York Times revelou (parte) o que Donald Trump havia escondido: o seu registo fiscal. E as revelações apenas surpreendem pelas quantias irrisórias de impostos que Trump pagou e os anos, longos anos, em que não pagou um dólar que fosse. Recorde-se que todos os presidentes americanos haviam revelado as suas declarações, apenas Trump tudo fizera para as manter sem segredo. Agora percebe-se porquê. Em 2016, ano da sua eleição, o ainda Presidente americano pagou 750 dólares em impostos, depois de declarar um manancial de prejuízos, estratégia adoptada nos tais dez anos, em quinze, em que nem sequer pagou impostos.  Ora, o homem que sempre se vangloriou do seu sucesso como empresário das duas, uma: ou não teve qualquer espécie de sucesso, apesar do estilo de vida luxuoso; ou simplesmente esta foi mais uma mentira indecente, ou um conjunto de mentiras indecentes. Seja como for, cai mais uma mancha na presidência de Donald Trump que, mesmo somando indecências atrás de indecências, vai fa

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação e Trump é o ma