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A irreverência turca

Nas últimas semanas tem-se falado da Turquia com relativa insistência, a propósito do polémico genocídio arménio e devido à intenção turca de invadir o norte do Iraque para combater o PKK. A Câmara dos Representantes dos EUA aprovou uma resolução que considera que a população arménia foi vítima de genocídio perpetrado pela Turquia. Além disso, a Turquia parece determinada em responder através da força aos combatentes dos PKK – uma ofensiva ao norte do Iraque.
A questão da classificação de genocídio do povo arménio é absolutamente rejeitada pela Turquia. Apesar da solidez dos factos históricos, a Turquia continua a rejeitar essa possibilidade, optando antes pela teoria da guerra civil. Esta é a mesma Turquia que ambiciona entrar para a União Europeia, e provavelmente conseguirá alcançar esse objectivo. Neste sentido, é contraproducente para a Turquia insistir no não reconhecimento do genocídio, e essa sua intransigência mostra um país que rejeita ignominiosamente o seu passado, ao invés de o reconhecer, aceitar, e olhar para o futuro, sem o peso de um passado mal resolvido.
Por outro lado, surge agora a possibilidade da Turquia invadir o território iraquiano que ainda conserva alguma estabilidade. Não obstante os apelos dos EUA – enfraquecidos e irreconhecíveis – a Turquia parece determinada em atacar o norte do Iraque. Se por um lado, a Turquia tem todo o direito de defender os seus interesses, por outro, o unilateralismo não é a solução. Aliás, o Iraque conheceu de perto o unilateralismo que culminou com as ruínas deste país do Médio Oriente. Vários problemas são colocados se a Turquia atacar esta região iraquiana, e outros levantam-se se a Turquia for contrariada: o ataque turco ao norte do Iraque pressupõe inevitavelmente uma escalada de violência na região e a destabilização do Iraque; uma Turquia contrariada poderá colocar dificuldades logísticas e geo-estratégicas aos EUA.
A manifestação de alguma irreverência que se poderá traduzir pelo recurso ao unilateralismo, é um cenário preocupante, mas ao invés, a Turquia deveria aproveitar este estado de coisas para mostrar que está disposta a reconhecer o passado, por um lado, e por outro, está disposta a enveredar por uma caminho multilateral de diálogo e negociações para resolver a questão dos combatentes do PKK. Se as pretensões de entrar para o clube europeu são mesmo para serem levadas a sério, a Turquia não se pode transformar na nova ovelha negra das relações internacionais. Apesar de a autora deste blogue discordar com a entrada da Turquia na UE, reconhece, no entanto, que essa entrada só poderá ser viabilizada através da adopção de comportamentos mais diplomáticos e, naturalmente, através do fim de atentados aos direitos humanos e do claro reconhecimento desses atentados no passado histórico da Turquia.

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