Vem o título a propósito da criminalização, anunciada pelo Governo, da publicação das escutas telefónicas não sujeitas ao segredo de justiça. Aparentemente pretende-se salvaguardar os direitos de pessoas que estão sob investigação, não obstante as escutas a que a pessoa foi sujeita serem do domínio público e não estarem sujeitas ao segredo de justiça.
Não são necessários grandes exercícios de imaginação para se perceber que a medida até tem a sua lógica. É sempre desagradável que as nossas conversas apareçam escarrapachadas nos jornais ou nas televisões, e na verdade, nunca se sabe quem está a ser escutado. Os arautos de mais este condicionamento das liberdades sentir-se-ão agora um pouco mais à vontade.
Por outro lado, os jornalistas são amiúde responsabilizados por não terem pudor em divulgar conversas, consideradas do foro privado, nos diversos meios de comunicação social. Com este Governo, os jornalistas, e a comunicação social no sentido genérico, vêem a sua esfera de actuação ser encurtada a cada dia que passa. Se muitos advogam a ideia de que a comunicação social precisa de ser regulamentada, o facto é que parece ser cada vez mais difícil ser-se jornalista neste pequeno país, que em matéria de liberdades, parece encolher a olhos vistos. É claro que a imagem de uma classe de jornalistas sem regras e sem escrúpulos interessa ao Governo, assim, torna-se mais fácil impingir leis e estatutos do jornalista que condicionem a actuação da comunicação social.
Com efeito, alguma comunicação social tem desempenhado o papel, criticado por muitos, de quase oposição ao Governo. Na ausência de uma oposição política, é a comunicação social (com naturais excepções) que lança debates sobre as políticas do Governo, que discute e discorda das políticas do actual Executivo. Dir-se-á que não é essa a função da comunicação social. Quanto a isso estamos de acordo. Mas a realidade mostra-nos que é a comunicação social que não se verga aos ditames governamentais – esta é que é a verdade. Os principais partidos da oposição alternam entre a ausência de ideias para o país e os antagonismos internos. Deste modo, vai-nos valendo alguma comunicação social.
Com este pano de fundo, o actual Governo, cuja actuação é pautada pelo ímpeto controlador e pela arrogância, tenta condicionar a actividade dos jornalistas. A partir de agora a corrupção, o compadrio e o chico-espertismo estarão um pouco mais longe do escrutínio público. A única boa notícia é que a retórica brejeira e prosaica que caracteriza muitas destas conversas escutadas, colocadas agora longe do olhar público, vão deixar de conspurcar os ouvidos e olhos dos portugueses.
Comentários