A proposta de lei do Governo que pretende que os autarcas arguidos, sobre os quais recaia uma acusação criminal, sejam forçados a suspender o seu mandato é, no mínimo, polémica. De facto, surge, desde logo, um conflito com a presunção de inocência. Não se percebendo bem como é este conflito poderá ser ultrapassado. Efectivamente, Portugal padece de um problema grave que está intrinsecamente ligado à corrupção – a falta de confiança dos cidadãos nas instituições. Com efeito, este clima de suspeição que incide sobre os autarcas – os exemplos de Felgueiras, Loures e Gondomar agravaram a tal suspeição – mina a confiança dos cidadãos na própria democracia. Assim, torna-se inevitável a procura de formas de se combater a corrupção. Ficando sempre a sensação indelével de que nas autarquias mais pequenas o caciquismo persististe sem que nada seja feito para contrariar essa tendência.
Sendo certo que possam subsistir inúmeras incertezas sobre esta proposta do Governo, é também certo que se trata de apenas de um proposta sujeita, naturalmente, a alterações que sejam consideradas necessárias. O que é, no entanto, inequívoco é que o princípio será positivo, no sentido em que permite que um autarca nessas condições possa ser suspenso, não prejudicando, desta forma, a autarquia. Note-se que um autarca sob suspeita grave não conseguirá desempenhar as suas funções da melhor forma, prejudicando em consequência o compromisso que estabeleceu com os eleitores.
Apesar de ser uma proposta discutível, não podemos ignorar o facto destes cargos (assim como todos os cargos políticos) conterem em si mesmos especificidades únicas. Não se pode, pois, comparar estes casos específicos com quaisquer outros. Reconhece-se, contudo, que os autarcas têm sido particularmente afectados por suspeitas de corrupção, o que não corresponde à realidade dos factos. Esta situação configura, de facto, uma injustiça, na medida em que não é apenas nas autarquias que verificam episódios de corrupção, de favorecimentos, de caciquismo, etc. Por consequência, esta lei deveria, a ser aprovada, ser aplicada a todos os que desempenham cargos políticos, porque esses cargos são de confiança dos cidadãos.
E é precisamente a confiança dos cidadãos no Estado de direito que anda pelas ruas da amargura. Quando se assiste a situações surrealistas como o caso de Felgueiras não pode esperar dos cidadãos outra coisa que não seja a mais absoluta incredulidade. Deste modo, será profícuo esperar que esta proposta de lei entre numa fase de discussão para se compreender até que ponto poderá atropelar direitos consagrados pela Constituição da República Portuguesa, ou por outro lado, poderá permitir alguma transparência num mundo cada vez mais opaco. Espera-se igualmente que esta proposta de lei possa vir acompanhada da indissociável reforma da justiça. Uma proposta de lei desta natureza será apenas um mero paliativo se não vier acompanhada por uma reforma da justiça.
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